Numa palhoça pequena, nas margens do meu Opará, eu nasci e me criei. O fogão era de lenha, a luz de candeeiro e as camas de dormir eram as velhas redes de balançar.
Depois que chegávamos da roça, após um dia inteiro de trabalho e cansados, a palhoça era o refúgio, velha morada e hoje lugar de saudades. Mamãe acendia um fogo. Café, farinha e carne seca era o jantar da noite. Ali pertinho, na velha rede, depois da ceia, eu me recolhia e logo sentia a rede balançar. Era mamãe que se aproximava para me ninar. Eu assim pedia: “Mãe, balance minha rede de novo.” Ela então balançava a rede e com sua voz entonada começava a rezar rezando baixinho uma oração que dizia assim:
Deus, meu pai
Senhor de bondade
Proteja meu filhinho
De toda maldade
Abra os seus caminhos
Dando Luz e Proteção
Para ele seguir em frente
Que em sua vida
Eu esteja para sempre
Caminhando ao teu lado
Sendo Luz e Oriente
Depois da oração ela embalava uma canção e logo eu dormia. A canção chamava-se: “O Menino do Opará”. Quanta lembrança e saudade. Dizia assim:
Menino que dorme sozinho
Na beira do rio Opará
Eu peço a Mãe d´ água que venha
Seu corpo pequeno ninar
Menino que dorme sozinho
Sem pai, sem mãe pra cantar
Que sonha o sonho sozinho
Sem ter com quem brincar
A noite é amiga de sempre
O dia é irmão e parente
O cobertor as estrelas
Quem pode te machucar?
Guerreiros das matas do Opará
Tupis e Tupinambás, Caetés e Tabajaras
Proteja o meu menininho
De todo mal que há
E assim eu dormia protegido pela força daquela oração e da música de ninar que minha mãezinha querida, com sua voz rouca e chorosa, cantava para me balançar. Aqueles eram dias de alegria e felicidade que prenunciavam terminar.
Um dia, faz muito tempo, pela manhã cedinho não vi mamãe se levantar. Meu pai disse-me que ela havia saído para buscar outro irmãozinho. Radiante de alegria eu fiquei.
Passou o dia e o outro dia chegou. Mamãe não voltou. Olhei para o canto da palhoça e calado vi meu pai a chorar… O que havia acontecido? Em me indaguei.
Os dias foram passando e eu naquela saudade tão grande sem ter quem me balançar, sem ouvir a oração e a canção de ninar “O Menino do Opará” entrei em tristeza profunda. Então olhei para céu e pedi para o Deus de mamãe, para Mãe d´água, aos guerreiros Tupinambás que trouxessem mãezinha de volta para eu puder dormir e sonhar. Pedi então para Deus: “Deus, traga minha mãe para balançar minha rede de novo.” E assim dormi.
Já era noite velha quando senti no meu rosto um arrepio. Então abri os olhos e percebi a rede balançando, e lá fora, vindo da mata, parecia uma voz cantado a mesma canção de ninar que ela cantava, a canção “O Menino do Opará”.
Meu mundo se estremeceu, eu chorei de alegria sem poder com ela ficar, que triste agonia fiquei e então me pus à chorar. Pensei: “Mamãe de mim não se esqueceu.” Eu continuava sendo seu filhinho, o menino do Opará, e então voltei a sonhar.
Agora, já depois de muito tempo, nos meus dias de aflição, eu sempre digo baixinho: “Mãe, balance minha rede de novo.” Então, como em um sonho encantado, ela vem e começa a cantar para mim que sou o menino do Opará. Como disse Castro Alves: “Eu sou como a garça triste que mora à beira do rio, as orvalhadas da noite me fazem tremer de frio..”
Mamãe se foi, ficou só eu e o Opará.
Por Adeval Marques
Graduado em História
Em tempo:
Opará foi o nome dado pelos índios Caetés, primeiros habitantes da margem esquerda do Baixo São Francisco, lado do hoje Estado de Alagoas. A nova definição de rio São Francisco foi dada pelos viajantes Américo Vespúcio e André Gonçalves em 04 de outubro de 1501. Significa rio-mar.